domingo, 17 de junho de 2007
O dia em que eu 'fiquei atoladinha'
Eu deveria falar sobre uma viagem aqui, mas a viagem em si não tem nada de interessante. O legal foi a volta. A Argentina nunca teve muita graça, as pessoas são chatas, quadradas, e a toda hora tu acha¹ que elas vão engolir a língua, pelo jeito que falam. Bom, meu pai é fazendeiro, e recebeu uma proposta de venda relativamente boa, e aproveitou que era longe para dar uma passeadinha. A fazenda era legal, tinha um açude gigantesco, com eucaliptos numa das margens, o que tornava a vista muito linda. Mas as cercas eram bem diferentes do que o meu pai esperava.
Resolvemos conhecer as divisas com as fazendas vizinhas, até pra ver como eram as outras cercas (não entendo, deve ser uma encucação-de-pai.). Maldita hora! O capataz estava na caminhonete conosco, guiando meu pai. Só que o desgraçado não avisou sobre a existência de um banhado logo à frente, e, o que é bastante óbvio, a caminhonete atolou. Tração nas 4? Naquela hora só servia de enfeite. Não tínhamos pá, nem nada que pudesse ajudar, exceto um capataz infeliz que teve de caminhar mais ou menos 50min até a sede, pra buscar ajuda.
Depois de mais ou menos uma hora e meia de espera, ele volta num trator em péssimo estado de conservação, o que, segundo meu pai, só ratificava a idéia de que o dono da fazenda não era organizado – o que deu pra perceber pelas cercas. Estaria tudo bem, se o capataz tivesse pelo menos 1/3 de cérebro do que se esperava que ele tivesse. Mas ao invés de trazer uma corrente, um gancho para atar no trator, o ANIMAL trouxe uma corda. CORDA!! Se a tração 4x4 não tirou a caminhonete dali, no que uma maldita corda ia ajudar? Claro que a gente pelo menos tentou, mas como era de se esperar, a corda rebentou.
Ele voltou à sede, e dessa vez esperávamos que ele tivesse bom senso, e buscasse algo mais resistente. Mais de duas horas e meia depois, num frio do caralho, no meio da porra do nada, com muito barro, já tinha começado a escurecer há horas, e nenhum celular tinha sinal, já estávamos, obviamente, com medo. PÂNICO, pra ser sincera. Até que enfim, o cara apareceu, com um rapaz da fazenda vizinha. Só que, só pra deixar a coisa um pouco mais assustadora, as merdas das luzes do trator (que era UM CACO) queimaram, sabe-se lá como! PUF, queimaram. Isso, lógico, antes deles chegarem até nós (guiados por, adivinhe? Uma LANTERNA). Agora imagine a cena:
*no meio do nada – NADA mesmo;
*frio, muito frio, vento assoviava;
*totalmente escuro;
*ouvindo barulho de máquina, procurando as luzes dessa tal máquina (que nós esperávamos que fosse o trator) e NÃO ACHANDO as luzes!!
Dá pra imaginar que a gente já tava rezando até pra nossa senhora do jarro-de-barro², né? Foi horrível. Eu não sei descrever o pânico. Tudo passava pela nossa cabeça: seqüestro, conspiração (?), vingança (?), E.T.s, o lado negro da força, e por aí vai.
Eu fiquei toda “puta que pariu³, hein, esse cara tem que ir pro meio do inferno, credo, vai ser inútil assim na “fazenda do caralho”...” E meu pai já veio todo pacífico: “ah Samya, não fala assim, o cara é um pobre-bicho que só tem o ensino fundamental, criado pra fora³¹, com os pés no barro...”
Agora, faça-me o favor: Se o cara não morasse lá, se ele não tivesse o mínimo de noção do que se faz numa fazenda, em determinadas situações, tudo bem! Eu ficaria até conformada, perdoaria. Mas poxa, o cara MORA NO CAMPO! Ele tem que ter, no mínimo, consciência de medidas básicas e de precaução que se deve tomar. E claro, sem contar que ele deveria conhecer o lugar que ele recebe dinheiro para cuidar.
Ah gente, pára. Nessas situações é brabo o negócio: O cara é um coitado, ta certo. A gente até dá um desconto por isso. Mas... Se eu tivesse pedido pra ele resolver indeterminações tipo “zero elevado a zero”³²..., mas bah tchê³³, ele devia saber que pra tirar uma caminhonete atolada se usa algo resistente, porque NUNCA uma cordinha vai puxar uma tonelada-e-lá-se-vai-pedrada³³¹.
Fiquei de cara. Mas cheguei sã e salva em casa. Claro que cheia de barro nos tênis, mas ‘glad to be home’
¹ “tu acha” – concordância zero. Gaúcho fala assim, além de que, pra
nós, plural é só acima de doze. Até onze é “dez pão”, “três casa” e etc.
² isso não existe (eu acho), não é regionalismo... é coisa-de-samya mesmo.
³ aqui a gente usa muito palavrão. MUITO. Principalmente quando o assunto é algo bem “fazenda” mesmo.
³¹ “ir pra fora” é “ir pra fazenda”. Aqui “pra fora” é “no campo”.
³² é UM, por convenção.
³³ “mas bah tchê” – não tem explicação. É “mas bah tchê” e ponto final.
³³¹ quando o número é alto, e/ou impreciso, é “X-e-lá-se-vai-pedrada”, não me perguntem o porquê.
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