domingo, 30 de setembro de 2007

Shu


O beco está quieto e mal iluminado. O vapor proveniente dos bueiros dificulta a visão e preenche o ar com o odor fétido dos esgotos da metrópole. O silêncio congelante que rodeia o local é quebrado esporadicamente pelos ratos que se esgueiram entre as lixeiras à procura de restos de comida.

Do fundo do beco emana uma luz alaranjada e tremulante. No final deste corredor claustrofóbico se encontra um grande caçamba de lixo, com intensa chamas em seu interior. As grandes línguas de fogo lambem o ar freneticamente, fazendo o pútrido vapor acima das labaredas rodopiar numa dança fantasmagórica.

Próximos à caçamba, escondidos entre as sombras, dois jovens encapuzados observam fixamente as chamas. A penumbra que os rodeia não permite que seus rostos sejam vistos. Na verdade, somente devido ao brilho do fogo refletido em seus olhos podia-se dizer que sob cada capuz existia algum rosto.

Naquele momento os menos afortunados podiam notar uma pequena silhueta, quase hominídea, que pouco a pouco ia se definindo entre as labaredas. A figura se contorcia lentamente, acariciando as línguas de fogo ao seu redor. Os dois jovens observavam extasiados a dança hipnótica do homúnculo. À medida que a dança se intensificava, o reflexo nos olhos dos rapazes ia se tornando cada vez mais opaco e sem vida.

Em pouco tempo, a dança cessou. Agora, já não se pode dizer com certeza que sob cada capuz existe um rosto. Não há mais brilho nos olhos. Dentro de cada capuz, apenas um vazio negro. Vazia também está a caçamba de lixo. Lá não existe mais fogo ou Criatura. Mas Sua presença é inegável. Os fantoches sem rosto semearão Sua vontade e procriarão em Seu nome.

Ele está no meio nós.
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Obs: texto baseado em experiências do autor

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